quarta-feira, julho 30, 2003

011. QUEM CONTA UM CONTO ACRESCENTA UM PONTO, QUEM TRADUZ POESIA... 

Deixo-vos aqui uma outra tradução do início do poema de Tarkovski:

Tive em miúdo uma doença
E fome e medo. Grossas escamas soltando-se
Dos lábios, que eu humedecia. Nunca esqueci
Esse sabor, salgado e frio.
Mas não parava de andar, andar, andar.
Sentava-me nos degraus do alpendre ao sol,
Caminhava no meu modo leve como se dançasse
A melodia do caçador de ratos, no rio. Sentava-me
Ao sol nos degraus, a tiritar.
E a mãe vinha ali, acenando, parecia
Tão perto, e eu sem poder tocar-lhe:
Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.


Esta versão é de Paulo da Costa Domingos sobre a tradução inglesa de Kitty Hunter-Blair e encontra-se na obra "8 Ícones", uma selecção de partes de poemas de Tarkovski publicada pela Assírio & Alvim em 1987.

010. NO SILÊNCIO DA NOITE 

Revejo a Nostalgia de Tarkovski. O poeta caminha no meio da água declamando:

Quando criança, certa vez adoeci
De fome e medo. De meus lábios tirei
Escamas duras, e lambi meus lábios. Lembro-me
Ainda do seu gosto, salgado e fresco.
E o tempo todo eu andava, andava, andava.
Sentei-me na escada da entrada para me aquecer,
Fiz meu caminho delirante como se dançasse
À música do apanhador de ratos, rumo ao rio. Sentei-me
Para me aquecer na escada, tremendo o tempo todo.
E minha mãe apareceu e acenou, e parecia
Próxima, mas eu não conseguia chegar até ela:
Fui em sua direção, ela estava a sete passos,
Acenando para mim; fui em sua direção, ela estava
A sete passos e acenava para mim.

Eu sentia muito calor,
Desabotoei o colarinho e deitei-me,
Então clarins soaram, a luz bateu de leve
Em minhas pálpebras, cavalos em tropel, a minha mãe
Estava voando sobre a estrada, acenou para mim
E foi embora...

E agora eu sonhava com
Um hospital, branco como as macieiras,
E um lençol branco puxado até ao queixo,
E um médico branco olhando para mim,
E uma enfermeira branca ao pé da cama,
E as suas asas se movendo. E lá eles ficaram.
E minha mãe veio, acenou para mim -
E foi embora...


O poema é de Arseni Alexandrovich Tarkovski, pai do realizador de Nostalgia e só em parte foi usado neste filme. Transcrevi-o da obra "Esculpir o Tempo", escrita pelo Tarkovski filho e publicada pela editora brasileira Martins Fontes em 1990. Na transcrição mantive o português do Brasil.

segunda-feira, julho 28, 2003

009. VAZIO 

Abate-me muito o falecimento de alguém da minha terra.
Apetece-me ficar só... com os meus pensamentos.
Quando era miúdo corria as casas da minha aldeia que fervilhavam de vida. Todos me acolhiam como se fosse lá de casa.
Agora custa-me ver partir mais uma pessoa.
Encontrar-nos-emos um dia. Haverá uma mesa muito comprida onde estarão todos os meus amigos e eu servir-lhes-ei um bom vinho do Dão e um bom presunto que hei-de levar cá de baixo.
Tenho a certeza que isto acontecerá.

008. MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL 

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.


Sophia de Mello Breyner Andresen - "Obra Poética II", pág. 62, Editorial Caminho, 1991 - comp. de "Mar Novo", 1958

domingo, julho 27, 2003

007. NO SILÊNCIO DA NOITE 

- Queres pôr um disco?
Depressa, antes que a melancolia se apodere de tudo.
Já nada mexe.
Como se...
Sinto-me tão...
As coisas são demasiado...


Do filme de Leos Carax, "Mauvais Sang" (Má Raça), 1986

sexta-feira, julho 25, 2003

006. O MEU VIZINHO S. SILVESTRE 

Além, do outro lado do ribeiro, mora o meu vizinho S. Silvestre. Uma luz de fim de tarde doura-lhe a casa.
Vive na minha terra desde o século XVI. Terá nascido numa das oficinas dos escultores de Coimbra, subiu de barco o rio Mondego até à Raiva e depois, a partir daí, um carro de bois tê-lo-á conduzido com mil cuidados até Vila Deanteira.
Na cabeça possui uma tiara de três coroas, atribuindo-se às três coroas o significado da tripla jurisdição do papa, sobre a Terra, sobre o Purgatório e sobre os Céus, como representante de Cristo; na mão esquerda segura a cruz papal com três braços, que representam as funções de padre, de doutor da Igreja e de pastor; a mão direita prepara-se para abençoar e por isso tem somente dois dedos levantados - um mordomo, com a alcunha de Carriço, dirigiu-se-lhe certo dia, com o cesto de chouriças do peditório na mão, perguntando: - Meu divino mestre, quantas chouriças precisais? (o meu vizinho, bondoso por natureza, manteve os dois dedos no ar). Duas... não é verdade? Pois então nós iremos comer as outras.
Sai em procissão pelo final do ano e percorre as ruas da aldeia; ruas que parecem longas, muito longas para os homens que levam o andor - o santo é de pedra e deixa marcas mesmo nos ombros mais calejados.
Já foi o protector dos meus pais, dos meus avós, dos meus bisavós... e agora é do pessoal cá de casa.
Um amigo meu não entende como é que uma pessoa como eu pode ajoelhar e rezar para uma pedra.
(Gostaria de colocar aqui a sua imagem, mas ainda não o sei fazer).

005. NO SILÊNCIO DA NOITE 

Leio Novalis: O tempo da Luz é mensurável; mas o império da Noite é sem tempo e sem espaço.

terça-feira, julho 22, 2003

004. HÖLDERLIN – LAMENTOS DE MÉNON POR DIOTIMA 

Uma colega, encantada com a sua mais recente estadia de formação na Alemanha, tentou hoje convencer-me da maravilha que é este país, os alemães e a sua cultura.
Fiquei como estava, admiro bastante a cultura alemã.
Vim para casa ler Hölderlin, Novalis e Rilke.
Aqui vos deixo o início de um poema de Hölderlin a Diotima, o seu ideal de beleza feminina.

Todos os dias saio, sempre à busca de outro caminho,
Há muito interroguei já todos os da terra;
Além os cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito pra cima e pra baixo,
Pedindo sossego; assim foge o bicho frido pra os bosques,
Onde outrora ao mei-dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu leito verde já lhe não restaura o coração,
Lamentoso e sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão banha as fridas nas ondas do rio.
E assim como debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e nenhum dos zéfiros acalma o sangue a ferver,
Assim, queridos! assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá tirar-me da fronte o sonho triste?


Hölderlin - Poemas - Relógio D´Água, 1991 - tradução de Paulo Quintela

domingo, julho 20, 2003

003. SANTA COMBA DÃO - RIBEIRA DAS HORTAS 

Já há muito que foi aberto ao público o viaduto sobre a Ribeira das Hortas em Santa Comba Dão, mas só hoje fui visitar as obras de remodelação que sofreu.
Ia com medo do que iria encontar, mas fiquei surpreendido positivamente.
O acrescento enquadrou-se bem nesse antigo e pesado viaduto. Não se impõe em demasia em termos estruturais e fica-lhe bem o revestimento a granito. Houve, de facto, a preocupação de "fazer" bem.
Nunca fui um grande apologista do Parque dos Áldrógãos
A Ribeira das Hortas é um dos eixos estruturantes de Santa Comba Dão. Serpenteia entre o casario e, depois de passar sob o único arco do viaduto, despenha-se por um enorme penedo. É uma dádiva da natureza.
O aproveitamento da sua margem para servir, fundamentalmente, de parque de estacionamento foi uma atitude pragmática, mas não foi a mais nobre... O espaço merecia melhor.
Sempre considerei infeliz o facto de entubarem a ribeira na sua passagem sob o arco, bem como o entulhamento do outro lado, cortando a beleza da queda de água.
Mas... provavelmente sou demasiado utópico.
Apesar de tudo, tomara eu que o ribeiro que corre aos pés da minha casa, aqui em Vila Deanteira, tivesse a dignidade do denominado Parque dos Aldrógãos
Mas isso é para outro post.

sábado, julho 19, 2003

002. O MEU VALE 

Gosto de ouvir o canto
dos grilos e das cigarras.
E o vento a dançar
com as árvores.
Que bonito que é este vale.

(Sara, 7 anos, Set. 2001)

001. O PARTO 

Vila Deanteira já possui um site na internet!
Agora este Blogue coloca a aldeia no pelotão da frente em comunicação multimédia!...
Colabore... elogiando e maldizendo!

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